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Limites – como estabelecê-los de forma que a criança compreenda e colabore

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O texto de hoje, sobre limites, foi escrito pela psicóloga e especialista em psicanálise de crianças, Elisa Motta Iungano. Nele, ela fala sobre o desafio que nós, pais e mães, enfrentamos sempre que temos que estabelecer limites para os nossos filhos: como fazer isso de forma eficaz, mas sem que sejamos abusivos. Venha ver que interessantes pontos de vista e questionamentos ela nos coloca.

Limites – como estabelecê-los de forma que as crianças compreendam e colaborem

Por Elisa Motta Iungano

Photo Credit: Merlijn Hoek Flickr via Compfight cc

O tema dos limites é muito falado nos contextos envolvendo crianças, em geral em referência ao “colocar” limites aos filhos ou à dificuldade que é fazer isso. Proponho então refletirmos juntos sobre o assunto, sem talvez encontrarmos uma resposta fechada, mas formulando questões que podem ajudar a elaborá-lo e a abrir caminhos possíveis.

No começo da vida, no útero, o espaço era bastante limitado: um mundo que foi ficando cada vez menor, contornando o corpo, dando conforto, proteção calor… e limites. Uma hora fica pequeno demais e, preparados ou não, nascemos para a vida do lado de fora, onde muitas vezes sentimos falta daquele aperto. Muitos bebês se sentem mais seguros quando enrolados numa manta, sling ou abraço. Viver no vazio pode ser muito assustador. Depois o corpo vai ganhando seus próprios contornos, o Eu vai se desenvolvendo e os limites físicos aos poucos vão se tornando dispensáveis. E há momentos em que o Eu parece suficiente. Essa fase da onipotência infantil, em que a criança se crê capaz de tudo, é bastante desafiadora, envolve muitas frustrações e conflitos e exige bastante paciência. É comum os pais ficarem perdidos e receberem muitos palpites sobre a necessidade de pôr limites.

Mas será que é necessário “pôr limites”? Ou talvez faça mais sentido pensar em como ajudar os filhos a aceitar os limites impostos pelo mundo, oferecendo referências para norteá-los?  Assim como não é possível eliminar os conflitos na vida, não é possível remover tudo que possa limitar ou causar frustração às crianças. Nem seria desejável. Se quisermos que nossos filhos sejam cidadãos do mundo, precisamos ajuda-los a lidar, desde a infância, com a dura realidade de que as limitações existem. Por muito tempo as crianças ainda precisam da incômoda (mas reconfortante) lembrança de que não podem tudo. Mas isso é muito diferente da repressão severa, autoritária ou baseada em critérios arbitrários para fazê-los cumprir com as necessidades que muitas vezes são nossas.

É mais fácil que as crianças colaborem com os limites quando sentem que correspondem a demandas que lhes dizem respeito. Ou quando conseguem entender quais os desejos ou necessidades a serem satisfeitos e que há alguém se propondo a escutá-las e na medida do possível, atendê-las. Talvez isso seja tão difícil porque nós, adultos, também nos esquecemos de olhar para dentro e buscar nossas reais necessidades, o que está por dentro de cada exigência nossa, inclusive em relação aos filhos. Como é possível reconhecer o que quer que seja no outro se não reconhecemos a nós mesmos? Como enxergar o outro, se não tivermos sido enxergados, naquilo que temos de mais essencial, por alguém?

Quando fazemos essa reflexão percebemos que nosso discurso e mesmo nossos desejos estão repletos de ambivalências. Por exemplo: Queremos que nossos filhos aprendam a lidar com as frustrações, aceitem os fatos limitantes impostos pelo mundo, ajam de acordo com as regras que apresentamos, que nos reconheçam como “autoridades”, detentores de poder sobre eles. Por outro lado, não queremos que, na vida adulta, sejam obedientes de maneira cega, aceitando de cabeça baixa os mandos e desmandos da sociedade. Sendo assim, em que momento eles podem começar a questionar? Será que nós pais damos conta de sermos questionados, aceitamos esse papel, para as crianças possam exercitar sua habilidade de questionar a autoridade?

Aliás, um ponto que é preciso desconstruir, no âmbito da educação infantil, é a questão da autoridade. Parece haver um consenso de que é necessária autoridade para se criar filhos. Mas o que é mesmo autoridade? Tem a ver com hierarquia? Superioridade? Obediência? Medo? Respeito? Qual é a diferença entre esses conceitos todos? Talvez valha a pena pensar em que, no fundo, esperamos, quando desejamos a obediência dos nossos filhos.

Um caminho possível seria nos pautarmos pelo respeito, pela consideração ao outro. Que seria a percepção da alteridade, a consciência de que o outro é diferente de si mesmo, que tem seu mundo próprio, suas próprias necessidades. O aprendizado do respeito incondicional, entre pais e filhos, não somente pela palavra, mas principalmente pela sua vivência real e concreta na vida, pode ser muito mais valioso do que estratégias autoritárias de disciplina.

Leia também: O verdadeiro e necessário limite.

Para terminarmos – por ora, já que é um tema bastante amplo, cabe aqui mais um ponto: Para transmitir à criança o conceito da limitação e apoiá-la na sua elaboração é indispensável que este já esteja incorporado no adulto. É essencial que o adulto tenha maturidade para perceber que, mesmo já crescido, não pode ter ou fazer tudo. Precisa ter, ele próprio, superado a fase infantil da onipotência, tendo a consciência de que viver é também conviver com inúmeras faltas e frustrações. Assim é capaz de apoiar o crescimento do filho, mostrando, através do exemplo, que a vida, limitada como é, comporta muitos “sims” além de tantos “nãos”. E que crescemos com isso.

Elisa Motta Iungano é psicóloga formada pela PUC-SP, especialista em psicanálise de crianças, com experiência no atendimento a famílias, sobretudo mães e bebês.  Atuou em instituições e hoje atende em consultório particular, além de cuidar dos filhos, duas crianças que a cada dia vem ensinando muito e transformando sua visão de mundo e de infância. É de sua autoria o site www.entrelaces.com.br e a fanpage de mesmo nome.

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