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Ser mãe longe de casa

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Há alguns assuntos que, vira e mexe, passa pela minha cabeça abordar aqui no blog. O problema é que vários deles eu não vivi na prática, e aí, não me sentiria confortável para falar a respeito. Um desses assuntos era a experiência de ter e criar um filho em outro país.

Pois eis que, na semana passada, uma leitora super carinhosa entrou em contato comigo via página do MdM no Facebook, teceu alguns elogios ao blog e contou brevemente sua história. Eu fui de cara com a cara dela, vi na história compartilhada um dos assuntos que eu sempre quis abordar e, nesse momento, não tive dúvidas: convidei a leitora para contar a sua história aqui . Ela aceitou de pronto e agora eu trago para vocês o emocionante relato da carioca Lilian Rapp, advogada, de 37 anos, que agora é mãe em tempo integral da fofíssima Sienna na distante Berlim.

Ser mãe longe de casa

Por Lilian Rapp

Me chamo Lilian, tenho 37 anos, sou carioca e conheci o meu marido por meio de amigos em comum, no feriado de 7 de setembro de 2006, em Búzios, uma cidade linda no litoral do Rio de Janeiro. Ele é alemão e estava morando no Brasil a trabalho há apenas 6 meses. Foi amor à primeira vista. Namoramos e casamos em 4 anos. Fizemos planos, compramos casa, estávamos com uma vidinha tranquila e gostosa, rodeados de amigos, com a minha família perto e a dele visitando sempre.

Entretanto, de repente, meu marido foi “convidado” a retornar à Alemanha. Choque total. Achávamos que o contrato dele se renovaria por muitos anos, como aconteceu com vários outros alemães expatriados, mas a política da empresa mudou. Depois de muita conversa e muitas dúvidas, decidimos vender tudo, largar tudo e começar uma vida nova na Alemanha. Não foi fácil, mas sou chegada a desafios e sempre tive uma vontade absurda de morar fora do país. Era a minha chance. Obviamente, eu sabia que a nossa decisão incluiria a gravidez no exterior e todas as dificuldades que a questão inclui. Apesar de ter ficado noites sem dormir, pensei que se essa oportunidade veio para mim, era hora de vivê-la de peito aberto, encarando todas as dores e delícias da experiência.

Chegamos na Alemanha em dezembro de 2010. Já em março, eu descobri que estava grávida e foi a maior emoção da minha vida até aquele momento. No entanto, o primeiro baque veio daí. Ligamos para a família no Brasil e, claro, foi aquela choradeira, muita emoção. Mas quando a ligação terminou me dei conta de que dali prá frente seria assim: só eu e o Mirko. Sem paparico de mãe, amigos de longa data vendo a barriga crescer, carinhos, presentinhos, mimos, etc, etc, etc. Foi duro, mas respirei fundo. A alegria da gravidez era muito maior do que o sentimento de solidão.

A partir daí, comecei a vivenciar o estilo alemão de ver a gravidez e de como tratá-la. Posso dizer, pela minha experiência (isso é muito pessoal!), que são frios, porém educados e cordiais. Uma grávida na rua aqui tem todos os direitos e mordomias, sem que ninguém faça cara feia quando se fura a fila, por exemplo, mas é só isso. Sem curiosidade ou maior interesse pela barriga. No Brasil, todos acabam sendo mais simpáticos com uma grávida. Logo, logo também descobri, o que me deixou indignada, que a minha querida ginecologista não seria a pessoa que faria o meu parto. Aqui a(o) ginecologista(o) é apenas a pessoa que vai acompanhar a parte clínica da sua gravidez. O parto é feito pelo profissional de plantão no hospital em que você der entrada. Normalmente é uma parteira, que aqui eles chamam de Hebamme, já que a opção obrigatória, até segunda ordem, é pelo parto normal e, de preferência, sem anestesia.

Como assim? Não terei vínculo nenhum com a pessoa que colocará a minha filha no mundo? Sim, é isso mesmo. Não tem outro jeito e engole o choro.

Os primeiros 6 meses de gravidez foram maravilhosos. Não ganhei muito peso, o bebê se desenvolvia muito bem e descobrimos que era menina, minha Sienna. Fui ao Brasil, recebi em dobro todo o carinho de que estava precisando e comi tanto o arroz doce da minha avó, que voltei prá Alemanha e descobri que estava com diabetes gestacional.

A partir daí, passei por uns perrengues emocionais que não desejo a ninguém. A gravidez deu uma complicada, tive insuficiência na placenta, provavelmente causada pela diabetes, e passei a não alimentar a minha filha devidamente. O crescimento dela ficou prejudicado e a gravidez passou para um estado delicado. Dava graças a Deus por estar na Alemanha e poder fazer exames caríssimos e acompanhamento quase que diário da gravidez e do bebê, sem que isso me custasse um centavo a mais, mas, por outro lado, tive que conviver com a indiferença e a frieza dos médicos daqui. Nada vem de graça nessa vida. Foram momentos dificílimos e por mais que o meu super marido tenha tentado suprir tudo o que podia em termos emocionais, eu me perguntava constantemente o que estava fazendo ali, sozinha, sem mãe perto, irmãos, amigas, enfim… graças a Deus sobrevivi…

O que importa mesmo é que no dia 14 de dezembro de 2012 a minha boneca chegou linda para nós! Bem pequenina, com 46 centímetros e 2.520 kg (um escândalo de pequena para os padrões alemães). Agora sim, esse foi o momento mais feliz e extraordinário da minha vida! Descobri que, quando a Sienna nasceu, junto com ela nasceu uma mãe dentro de mim. O resto vocês já sabem: amor infinito, noites sem dormir, adaptação, muito choro, muitos sorrisos e muitas dúvidas.

Prá quem está pretendendo engravidar na Alemanha, digo que, assim como tudo na vida, existe os prós e os contras. Pela minha experiência, digo que vale à pena. Os hospitais são de ponta, os profissionais super competentes, mas não espere aquele calor humano brasileiro, porque isso realmente não vai acontecer. Se você não domina a língua, como eu, na hora do sufoco, todo mundo fala inglês, sem problemas.

Segue abaixo uma listinha de algumas coisas interessantes e curiosas a que temos direito aqui diferentes do Brasil:

– As ultras durante toda a gravidez são feitas no consultório ginecológico, como padrão em toda a Alemanha. Não há necessidade de marcar uma ultra. Você vai para a sua consulta de rotina e “de quebra” ainda faz o exame.

– Quando você diz que seu bebê nasceu de cesariana (por ordem médica tivemos que fazer uma cesariana de urgência) todos fazem cara de espanto e perguntam o que houve, além de te olharem com pena. Prá eles (e pro resto do mundo), o que eu concordo, a cesariana é exceção e deve ser feita em última instância, em casos graves e complicados. A anestesia também não é muito bem aceita, mas já é mais comum.

– O exame da Translucência Nucal feito no Brasil da 11.a até a 13.a semanas de gestação, para checar a probabilidade de o bebê ter Síndrome de Down ou outras doenças congênitas, não é comum aqui. O plano não cobre e deve ser pedido à parte e conversado com o ginecologista.

– Saber o sexo do bebê não é tão importante para as mães e famílias alemãs de um modo geral. Tenho várias amigas que preferiram ter a surpresa na hora do parto. Isso prá mim não dá! Sou muito curiosa e estava louca para chamar logo o meu bebê pelo nome, ainda dentro da barriga.

– No dia em que cheguei da maternidade recebi a visita da enfermeira (que já havia previamente escolhido e conhecido antes do nascimento) para me acompanhar durante os primeiros meses de vida dela. Sim, aqui nós temos o direito a ter uma Hebamme só nossa, que vai à nossa casa, TODA SEMANA, tira todas as nossas dúvidas, nos auxilia na amamentação, acompanha nossos primeiros passos como mãe e esclarece qualquer dúvida sua ou probleminha que o bebê possa ter. É muito confortante e sensacional, já que a consulta médica com o pediatra do bebê só ocorre no final do primeiro mês. Detalhe básico: o serviço é gratuito.

– Passamos a receber um auxílio financeiro do governo, uma parte para os pais e outra para o bebê, durante todo o primeiro ano de vida (Elterngeld e Kindergeld). No segundo ano, o auxílio dos pais termina, mas o do bebê continua.

– A vacina BCG não está incluída no rol de vacinas obrigatórias do governo, porque a tuberculose foi erradicada na Alemanha há 30 anos (!). Se você quiser que o seu bebê tome deve encomendar de forma privada ou tomar no Brasil, como eu fiz com a minha filha.

– Banho em recém nascido só depois do primeiro mês. Eles são terminantemente contra o banho antes disso, pois justificam que a pele do bebê ainda contém o “vernix caseoso” e o banho prematuro acaba desprotegendo o bebê sem necessidade. É um ponto de vista, mas essa regra eu não segui.

– A primeira papinha é dada aos 4 meses, mesmo quando ainda se amamenta, e não é de fruta, e sim um purezinho de cenoura com batata.

Fazendo um balanço geral de tudo que vivemos até o momento, acredito que estamos indo bem e procuro criar a Sienna dentro dos moldes daqui, sem deixar de lado a minha intuição e a cultura brasileira. Afinal de contas, sou carioca, meio italiana e meio nordestina, gosto de abraço, beijo e acredito piamente que amor demais não atrapalha, ao contrário, deixa nossos filhos mais seguros, determinados e espertos. As mães aqui costumam ser um pouco mais contidas.

Então, gente, essa foi a minha estória como mãe na Alemanha, que ainda está bem no comecinho. Volta e meia ainda me deparo com situações hilárias e dúvidas cruéis, por conta da língua, ou mesmo pelo choque de culturas, mas tento levar com bom humor para ficar tudo mais leve, como deve ser. Mas de uma coisa eu já tenho certeza! Se a cerveja e a linguiça são alemãs, Deus é realmente brasileiro!

 

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