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Autonomia: O que eu aprendi com uma simples entrega de brinquedos entre duas crianças

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No maravilhoso texto de hoje, a nossa colunista Ana Paula Yazbek, especialista em desenvolvimento infantil, fala sobre a importância de darmos autonomia para as crianças. E isso desde muito cedo. Não deixe de ler. Uma história muito bem contada e que nos passa um importante ensinamento.

Por Ana Paula Yazbek, colunista do MdM

Mesmo trabalhando há mais de dezoito anos diariamente com crianças pequenas, eu não canso de me surpreender com sua inteligência, capacidade de entendimento e expressividade. Nesta última semana, vivenciei uma situação que me fez pensar no quanto perdemos ao subestimar as crianças, deixando-as de lado quando consideramos que certos assuntos devem ser resolvidos apenas entre os adultos.

A mãe de uma criança enviou uma mensagem informando que na mochila do filho tinha um brinquedo a ser entregue para outra criança. Então, eu me dirigi à turma com a intenção de informar à educadora desta entrega de brinquedos, mas assim que cheguei ao local onde estavam, vi o menino que tinha trazido o brinquedo e decidi pedir para que ele pegasse o brinquedo em sua mochila e entregasse para a amiga. Um detalhe importante é que este menino tem um ano e nove meses, e a amiga um ano e um mês!

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O menino ouviu com atenção o que eu disse, olhou para sua educadora, fez gestos com sua cabeça como se pedisse sua autorização para sair da sala e emitindo balbucios, me chamou para acompanhá-lo até a outra sala, onde estava sua mochila.

Com passadas rápidas, ele saiu da sala, percorreu a lateral do tanque de areia e andou mais uns metros até a outra sala. De tempos em tempos, olhava para trás para se certificar que eu o estava acompanhando.

Ao chegarmos, ele sinalizou com o dedo que precisava de minha ajuda para abrir a porta de vidro. Assim que abri a porta, ele foi até o local onde todas as mochilas estavam guardadas, olhou com atenção e balbuciou com animação quando achou a sua. Foi até ela e, sem pedir minha ajuda, abriu o zíper (precisou de um tempo para conseguir ter êxito nesta tarefa, pois como havia dois zíperes quando ele puxava um, acabava levando o outro, mantendo a mochila fechada, mas depois de algumas tentativas, conseguiu finalmente abri-la). Logo viu o brinquedo, pegou-o, junto com um livrinho que tinha trazido de casa, fechou a mochila e com o olhar, pediu minha ajuda para que eu a colocasse de volta, junto às demais.

Então, eu falei que ele precisava levar o brinquedo para a amiga que estava na sala dos bebês. Novamente, ele foi na frente, subiu a rampinha que circunda a casa do Espaço, por vezes olhando para se certificar de que estava sendo acompanhado por mim, mas sempre seguindo em frente, até que entrou na casa e, da sala de estar, teve a sorte de logo encontrar a destinatária do brinquedo, brincando na cerquinha que dá acesso a esta sala.

Com alegria, ele estendeu o braço, balbuciou para a amiga, mostrando o brinquedo, olhou para mim como se dissesse, “olha ela está aqui!”. Subiu no sofá para ficar mais perto da amiga, mas havia uma casinha que impedia sua aproximação e antes dele pedir eu a afastei e ele pôde entregar o brinquedo à amiga, que o segurou, sem saber o que era.

Ele se afastou, desceu do sofá, deu tchau para a amiga e demonstrando satisfação me olhou com cara de missão cumprida. Eu falei que ele deveria voltar à sua turma e sem titubear, ele saiu da casa, caminhando em direção à sua turma, eu o acompanhei até metade do caminho, depois me despedi, reforçando que ele deveria ir para a oficina que eu o acompanharia agora apenas com o olhar. Mais uma vez, ele seguiu seu trajeto com determinação, mas sempre se certificando que estava sob os cuidados de alguém. Quando chegou à oficina, suas educadoras perguntaram se ele tinha entregado o brinquedo e ele acenou positivamente.

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Voltei para minha sala bastante pensativa sobre a importância de sempre incluirmos as crianças quando os assuntos lhes dizem respeito. Se não tomamos este cuidado, tornamos “natural” alguns atos invasivos (neste caso seria mexer na mochila da criança, para pegar algo, sem seu consentimento) e as privamos da possibilidade de vivenciarem concretamente situações que envolvem autonomia, comunicação, interação e a sensação de pertencimento.

Obviamente, não seria nada grave se a triangulação do brinquedo ocorresse entre os adultos, mas seria uma pena, não seria?

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