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A importância da reconstrução dos sonhos

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O post de hoje foi escrito pela Daniela Figueiredo, autora do blog Um sonho diferente e mãe do Rafael, de 4 anos, e da Luísa, de 1 aninho, que nasceu com uma síndrome rara chamada Wolf-Hirschhorn. 

Em seu texto, Daniela fala sobre o luto do filho imaginado, sobre a reconstrução de sonhos, e sobre a importância de voltarmos a acreditar e buscarmos encontrar a felicidade de novo, mesmo depois de uma grande tristeza ou decepção. E que, na verdade, o que parece ser um grande desafio no início pode ser uma oportunidade de vermos e fazermos as coisas de um jeito diferente (e muito melhor!).

Confira. Lindas palavras!

A importância da reconstrução dos sonhos

Por Daniela Figueiredo, autora do blog Um sonho diferente

Qualquer momento difícil da vida, onde se encerra um ciclo e inicia-se outro, pode-se chamar de “luto”. Quando eu ouvia essa palavra, associava imediatamente à morte. No entanto, aprendi que passamos por outros lutos durante a vida. Além da perda de um ente querido, você pode estar enfrentando a perda de um emprego, do seu casamento, da estabilidade financeira. Pode ter sofrido um aborto espontâneo. Ou estar tentando superar o rompimento de uma amizade, ou alguma doença difícil de tratar.

No meu caso, eu passei (ainda estou passando) pelo luto do “filho imaginado”.  

Photo by Leandro Cesar Santana on Unsplash

Nos primeiros sinais de que havia algo errado na minha gestação, eu já entrei no processo do luto, que se agravou ao receber o diagnóstico definitivo. Para saber mais sobre a história da minha Luísa que nasceu com a Síndrome de Wolf-Hirschhorn, clique aqui.

Segundo Elisabeth Kübler-Ross, o processo do luto geralmente  consiste das etapas descritas abaixo. Sendo que nem todas as pessoas passam por todas as etapas, ou nem sempre elas acontecem nessa mesma ordem:

    1. Negação: “Isto não pode estar acontecendo.”
    2. Raiva: “Por que eu? Não é justo.”
    3. Negociação: “Deixe-me viver apenas até ver os meus filhos crescerem.”
    4. Depressão: “Estou tão triste. Porquê me hei-de preocupar com qualquer coisa?”
    5. Aceitação: “Vai tudo ficar bem.”, “Eu não consigo lutar contra isto, é melhor preparar-me.”

Não importa qual situação voce esteja vivendo, o importante é reconhecer as etapas e os sentimentos envolvidos. Auto-reconhecimento é a chave de tudo. É onde inicia-se o processo de recuperação. Em seguida, deve-se procurar meios de superar cada uma das fases, não tendo nenhuma vergolha de pedir ajuda quando necessario.

No meu processo de luto pela “perda do filho imaginado”, uma das coisas mais importantes que aprendi foi a reconstruir os meus sonhos.

Para a maioria de nós, quando recebemos a notícia de que vamos ter um bebê, sonhamos com uma linda criança, correndo, brincando, sorrindo, falando “mamãe” e “papai”, aprendendo a andar, comer, se vestir, fazendo amiguinhos, indo para escola. Ou seja, uma mini versão (projetada) de nós mesmas, com uma vida que a sociedade chamaria de “normal”.

Durante a gestação da Luísa, eu planejei tudo, colocando muito amor em cada detalhe. Fiz lista de enxoval, pensei em cada roupinha, na bolsa da maternidade, decorei o quartinho do jeito que sonhei. Fiz chá revelação e ensaio fotográfico de gestante. Postei nas redes sociais e espalhei para o mundo a minha alegria.

Imaginei cada detalhe de como seria o dia do parto, quando finalmente poderia ver o seu rostinho, pegar no colo, dar um cheiro, dar de mamar. Levar pra casa logo e colocar no bercinho. Comprei plaquinha para colocar na porta da maternidade e lembrancinhas para quem fosse visitar. Nossa bebê estava chegando, e estávamos completamente apaixonados.

Porém, de repente, do nada, “Ooopssss….” , veio um “tsunami” pela frente. Um “tsunami” de exames e jargões médicos que eu nunca tinha ouvido falar, indicando que algo estava errado.

Um grande “tapa na cara”. Fomos derrubados no chão. Doía tudo por dentro. A dor da alma era tão grande que ela chegava a ser física. Um aperto no peito. Eu costumava dizer: “Parece que tem uma tonelada de cimento em cima de mim, me apertando com força”. Faltava o ar para respirar

Eu só torcia para acharem qualquer doença em mim, na minha placenta, na minha pressão arterial,  ou “whatever”, mas não na Luísa. “Doutor, por favor, o que está acontecendo ? Diz que a doença é comigo, por favor. Me dê todas as doenças do mundo, mas não…., minha bebê não, por favor…..

Cancelei muitos sonhos que um dia eu tive. 

Eu cancelei o chá de fraldas. Já tinha contratado buffet, enviado convitinho, alugado salão e comprado todos os enfeites. Que tristeza ver aqueles pacotinhos todos chegando em casa, com coisas lindas de morrer, mas que não seriam mais usadas.

Eu cancelei as ultrosonografias com musiqinha de fundo e vídeos gravados em CDs de capinhas fofas em tons pastéis.

“A senhora vai querer gravar o CD com vídeo?

“Não, querida, muito obrigada. Só quero saber se minha filha ainda está viva, se engordou pelo menos 10 míseros gramas depois de eu me encher de sustagem e ganhar uns “30 quilos” em cada coxa. Além , é claro, de verificar se dessa vez vão finalmente achar algum defeito no ultrassom 4D dela. Quem sabe um pé torto só ? Não ia ser tão ruim, você não acha?”.

Claro que eu não falava nada disso para a pobre mulher da recepção. Mas pensava exatamente isso. Toda vez. De quinze em quinze dias. Do fatídico 6 de agosto de 2016, até um dia antes da Luísa nascer.

Eu cancelei visitas à maternidade. Eu olhava com tristeza para aquelas lembrancinhas que mandei fazer com tanto carinho e que talvez não fossem entregues. Afinal de contas, visitar para quê? Ninguém pode ver o bebê na UTI. Só os pais. Nem por vidro, nem pela frestinha da porta. Nem escondido. E mesmo se pudesse ver: porque cargas d´ água vão querer ver minha filhinha sofrendo e lutando para sobreviver?

“- Mas podem querer vir visitar você, ué…dar um beijo…- disse minha mãe .

– “Não obrigada”, eu pensei comigo mesma. “Depois que eu ver que minha filha está viva, e que não é um “monstro”, eu só vou querer dormir e chorar”. (Mal sabia eu que na verdade não teria tempo para isso, já que tinha que ordenhar meu proprio leite 4x ao dia, visitar a bebê na UTI, conversar com os médicos,  tentar comer, e lidar com todos os sentimentos) .

Não falei nada disso e me limitei a dizer a minha mãe:

“Não, mãe, por favor, diga a todos que não quero visitas na maternidade, e peça por favor que compreendam meu momento de dor e minha decisão”.

Eu cancelei (fui obrigada a) cancelar o sonho da alta hospitalar com o bebezinho no colo.  Por dias e dias, antes dela nascer, olhávamos para aquele bercinho vazio que nem tão cedo seria usado. Como é doloroso ir pra casa sem o filho no colo.

E isso foi só o início do início. Depois fui “cancelando” e reinventando muitas outras expectativas que criei. Por exemplo, de: “ Quando minha filha vai andar ?” para: “Será que minha filha vai andar? Ou de “Qual será o tema do aniversário de 1 aninho?” para: “Será que ela vai sobreviver a mais essa internação”?

E assim por diante. Os exemplos são infinitos.

Ou seja, provavelmente todas nós tivemos e teremos ainda que anular muitos sonhos.

O sonho, da forma que ele foi idealizado, esse já acabou. Já era. Se foi.

Ao mesmo tempo que me vi destroçada, e tentando catar os pedacinhos de mim mesma, tinha uma bebê para cuidar. Como fazer isso ? E aquele sonho ? Onde foi parar o meu  sonho ?

Sim, é exatamente aí que está o grande “X” da questão. É uma pena que tive que passar por um longo processo para descobrir essa grande sacada:

O sonho não acabou! Ele ainda existe. Só que ele é diferente do que imaginei. E isso não quer dizer que ele é pior ou melhor, apenas diferente. Por amor, eu automaticamente aprendi a descontruir um ideal de sonho e reconstruir outro.

Eu modifiquei minhas prioridades, mudei completamente minha visão do mundo e do meu propósito de estar viva. Passei a vibrar a cada dia sem intercorrências e a chorar de emoção a cada nova conquista.

Portanto, se você está no começo da jornada de superação de qualquer tipo de luto, seja do filho idealizado, de um aborto, de uma separação, ou quaquer outro;  meu conselho seria: permita-se descontruir e reconstruir sonhos todos os dias.

Reconstrução de sonhos. Todos os dias. A cada dia. Dia após dia.

Depois que a Luísa nasceu tem sido assim por aqui. E você? O que tem feito para reconstruir os seus sonhos? Deixe seu comentário ou envie um email para contato@sonhodiferente.com.br.

>>> Confira outro texto escrito pela Daniela para o Macetes de Mãe

Daniela Figueiredo é mãe do Rafael de 4 anos e da Luísa de 1 aninho, que nasceu com uma síndrome rara chamada Wolf-Hirschhorn. Depois de se tornar mãe e de superar diversos desafios, sua paixão por escrever ressurgiu e culminou na criação do blog Um Sonho Diferente. Através do blog, Daniela compartilha informação e experiências com o objetivo de apoiar e orientar mães de crianças com necessidades especiais. Para conhecer um pouco mais sobre a história da Luísa, clique aqui. 
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