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Na escola: problemas ou e só impressão?

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O post de hoje, aqui na coluna Psicologia, escrito pela nossa colunista Raquel Suertegaray, responde a dúvida de uma mãe. Entretanto, ele serve para esclarecer uma questão muito importante no relacionamento criança/pais x escola: quando a criança demonstra certo descontentamento, está mesmo a escola falhando?

Raquel levanta alguns questionamentos, coloca alguns ponto de vista muito importantes e nos faz pensar sobre o assunto. Sua visão de mãe, psicóloga e dona de escola, com certeza, contribuiu para a riqueza desse post e, com certeza, depois de lê-lo, você terá ainda mais certeza da importância da proximidade entre pais e escola para garantir uma maior segurança nessa relação.

 

Sera que esta tudo bem na escola mesmo
Photo Credit: Pink Sherbet Photography via Compfight cc

 

Na escola: problemas ou e só impressão?

Por Raquel Suertegaray

Olá Mamães, a pedido, hoje vou abordar alguns assuntos levantados por uma mãe que enviou um e-mail para o Macetes de Mãe relatando uma situação vivenciada na escola de seu filho e a qual retrata algo muito corriqueiro nos dias de hoje: a angustia das mães diante da resistência dos filhos em irem para a escola e diante de situações de conflitos, como as tão temidas mordidas.

Relato da mãe:

Meu filho estava no berçário desde os seis meses. Entrou em outubro do ano passado. A adaptação foi ótima, não teve choro, todas as tias filaram que ele era bonzinho, uma maravilha. No início deste ano, mudou a coordenadora da unidade que ele estava. Euu não gostei muito, mas relevei. Em fevereiro, tiramos uma semana de férias e, quando ele voltou para a escola, pegou uma virose e, depois desse momento, quando ficava em casa e precisava voltar para o berçário ele chorava. Em julho, ele iniciou a adaptação para ficar no mini-maternal, a qual não foi das melhores. No primeiro dia, ganhou uma mordida leve na bochecha, um tempo depois, levou outra.  Depois desses incidentes, conversei com a coordenadora, e ela falou que iria separar as crianças que estavam na fase de morder das demais, mas ele voltou a ser mordido. Para completar, quando fomos conversar com a coordenadora há alguns dias, após a terceira mordida, ele estava no colo do pai (a quem é super apegado) e quando viu ela abrindo a porta do pátio da escolinha ele pulou no meu colo chorando. Por que decidi contar essa história? Porque, às vezes, é difícil perceber se existe algo que está realmente acontecendo com nossos filhos quando eles choram para ficar no berçário/escolinha ou se é apenas fase e acho que seria um tema interessante para ser abordado pelo blog.

O relato da mamãe Flávia (nome fictício) traz uma sequência interessante de fatos que permite diversas reflexões. Destaco que se trata de reflexões baseadas na minha experiência e resultado de muitos anos de dedicação ao estudo da infância e seus desdobramentos, mas não de verdades absolutas, pois é difícil imaginar que possam existir verdades absolutas quando falamos de fenômenos humanos.

A mãe começa falando de uma adaptação muito tranquila, aos 6 meses, o que é esperado, pois bebes até esta idade comumente se vinculam com facilidade com professora e não sofrem na entrada na escola. Com 18 meses, quando se deu a segunda adaptação, já se espera uma resistência maior e existem diversas formas de conduzir este momento para torna-lo mais fácil.

O primeiro conflito que temos no relato da mãe foi a troca da coordenadora (e este me parece ter acontecido apenas dentro da mãe, que, por alguma razão, perdeu sua segurança diante da escola). Sem ter muitos elementos, tão pouco saber das qualidades da nova (e da antiga) coordenadora, não tenho como me posicionar, mas em primeira instância é esperado que a escola escolha uma nova coordenadora que tenha os mesmos parâmetros da anterior, ou seja, que acredite na proposta da escola.

Quando escolhemos uma escola para nossos filhos é importante observarmos se existe uma diretriz que orienta as ações dos profissionais que atuam na instituição, pois quando existe, estas diretrizes costumam garantir que as razões que nos levaram a escolher a escola A e não a B continuarão presentes, mesmo com a troca de profissionais. É sempre desagradável quando um profissional que gostamos e confiamos vai embora da escola de nossos filhos, mas esta é uma realidade, na roda da vida, pois muitas vezes as pessoas decidem buscar novos desafios ou encontram novas possibilidades e elas partem.

Com frequência, mudanças no quadro de pessoal levam os pais a se sentirem inseguros e esta insegurança costuma se refletir nas crianças, que em ato contínuo passam a mostrar resistência em ir para escola. Na verdade, não apenas insegurança dos pais em relação a escola originam estas reações nos filhos, mas também conflitos familiares, situações de perdas ou doença na família, problemas financeiros, enfim tudo que abale de alguma forma os pais, tende a se refletir na criança. Mas não podemos negar que problemas na escola também podem acarretar em resistência na criança ir para este ambiente.

Com isso, pretendo mostrar que a reação de não querer ir para a escola, nem sempre se relaciona com problemas na escola. Pode estar ligada a alguma insegurança na criança, que pode ter inúmeras raízes e nem sempre tem uma explicação isolada Comumente, na verdade, é uma colcha de retalhos que culmina com a resistência em permanecer na escola.

Por isso, é importante que a família seja próxima da escola, circule no ambiente escolar, tenha contato com os cuidadores, converse tanto com os cuidadores diretos, quanto com a direção sobre suas angustias, pois muitas situações são facilmente explicadas e refletem fenômenos comuns.

Retornos de férias ou de afastamentos por doença costumam vir acompanhados de desejo por parte da criança em permanecer mais tempo ao lado dos pais. Férias falam por si só, pois costumam ser momentos regidos pelo princípio do prazer, e situações de doença tendem a provocar uma regressão nas crianças e elas costumam querer ficar grudadas em suas mamães, como quando eram bebês.

Discorri um pouco sobre estas questões para ilustrar que a reação do filho de Flávia, de chorar e não querer ir para a escola, poderia não significar um problema com a escola ou um trauma insuperável. Da mesma forma, ir para seu colo diante da chegada da coordenadora pode não retratar um problema da criança em relação à ela ou à escola, mas uma reação provocada pelo contexto de reprovação dos pais para com a escola e da mãe para com a nova coordenadora.

Já quanto às mordidas, elas podem acontecer e são mais comuns até os 3 anos de idade. Este impulso pode ser mais intenso em algumas crianças que em outras, mas é sobretudo uma forma de expressão e de comunicação. Quando acontecem na escola não necessariamente significa descaso ou descuido por parte das cuidadoras, pois sãor o produto das relações entre as crianças.

Quando temos na turma uma ou outra criança que está mordendo não é correto isolar a criança ou afastar os colegas dela, pelo contrário, ela está precisando conviver com os colegas e nesta convivência desenvolver outras formas de se relacionar e expressar-se. Mamães de crianças que foram mordidas devem estar pensando agora “tá, mas e meu filho que vai pagar o pato!?”. É uma forma de se pensar, mas não se pode esquecer que, muitas vezes, seu filho, para não dividir um brinquedo, também o puxou do coleguinha. O fato do brinquedo puxado não deixar marcas, não significa a ausência de conflito e de um aprendizado a ser conquistado, é apenas uma forma diferente de expressar a sua vontade.

A própria mordida pode acontecer como resultado de um conflito por brinquedos, por exemplo. Outra questão que deve ser pensada é que tanto quanto a criança que morde precisa aprender que não pode fazer isto, pois machuca o amiguinho e não devemos machucar os outros, como a criança que repetidamente vem sendo mordida precisa aprender a se proteger.

Considero fundamental que os pais tenham em mente que a escola é um ambiente de convivo social e como tal, irá reproduzir os conflitos inerentes ao convívio humano e o maior legado que as crianças deverão tirar deste ambiente é aprender a se relacionar. Muitas vezes, nos preocupamos com o que as crianças estão aprendendo (se irão sair lendo por exemplo, se aprenderão línguas, etc) e esquecemos que conviver é uma tarefa bastante árdua para este momento e talvez seja esta a mais importante da suas vida.

Contudo, diante de situações de conflito – bem ou mal – conduzidas é importante que haja diálogo entre a família e a escola e tempo para que o trabalho possa mostrar seus resultados. Uma criança de 18 meses de idade não aprende que não pode morder na primeira mordida, nem na segunda, leva tempo, da mesma forma que a criança que foi mordida não aprende a se defender na primeira ou na segunda vez.

É importante que as famílias tenham em mente que as situações podem se repetir e que faz parte. As crianças pequenas ainda são egocêntrica, ou seja, acreditam que o mundo gira em torno de seus desejos e por isso ficam desconcertadas ao não ser imediatamente atendidas. Ainda, seu pouco domínio da linguagem, que lhes impede de argumentar, as levam a usar o corpo (ou os dentes) para expressar seus descontentamentos, por isso mordidas, empurrões, puxões de cabelo e etc são recursos usados de forma repetida nas escolas infantis.

No entanto, pensarmos estes comportamentos como normais, não significa dizer que eles estão liberados. É papel dos adultos intervir de forma continua e coerente. A continuidade trará resultados.

Em todo o relato, me preocupou a postura da escola de dizer que afastaria a(s) criança(s) que mordiam. Aqui me parece que fica explícita uma fragilidade da escola, onde a necessidades destas crianças é colocada de lado e predomina o atendimento da necessidade de agradar os pais da criança que foi mordida*. Neste momento, a criança que teve sua necessidade desatendida foi a outra. E se fosse o seu filho?

A escola deve, acima de tudo, prezar pelo respeito à infância e às necessidades desta que, muitas vezes, exige explicar para as famílias os fenômenos que acontecem no dia a dia e justificar seus posicionamentos, cumprindo assim uma função pedagógica com as famílias também.

E, muito importante, quanto mais formos presentes na escola, conversarmos e convivermos com as pessoas que nela trabalham, mais fácil será lidar com os descontentamentos. Observar como as professoras resolvem conflitos durante as adaptações, nos 10 minutos que esperamos nosso filho resolver ir embora no final do dia, nas festas, etc, nos dão a medida da adequação ou inadequação da escola. Escolas, assim como mães, não são instituições perfeitas e nem precisam ser, elas precisam ser coerentes e abertas ao diálogo, precisam ter respeito pelas crianças e por suas necessidades, o resto se ajusta. Confiança se constrói com o tempo e é fundamental para resolver fatos como o relatado por esta mamãe, por isto é importante ser presente na escola dos filhos.

* A análise foi feita com base no relato da mãe, não temos relato, nem tão pouco sabemos qual é a escola, portanto a análise dos fatos é parcial.

 

Colunistas MdM Raquel - Psicologia

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