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Humor – E tem gente que ainda acha que mãe não faz nada

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Dias atrás, fui fazer o exame médico para renovar a minha carteira de habilitação. Quando lá cheguei, o médico que me atendeu, um senhorzinho muito distinto, perguntou: “Ocupação?”. Eu respondi: “Mãe”. Aí ele solta a pérola: “Ah, então você não trabalha”.
Juro que, nesse exato momento, minha vontade era puxar uma cadeira, pedir um copo d`água e começar o desabafo. Esse que vou fazer abaixo para vocês.
Eu iria dizer, mais ou menos, o seguinte para o camarada:
Meu senhor, o senhor realmente acha que porque eu sou mãe eu não trabalho? Pois tô aqui para lhe informar que eu trabalho muito, mas muito, mas muito mais do que a vossa senhoria, que por ser médico deve fazer plantão e tal, mas duvido que faça plantão de 24h, dia após dia, de segunda a segunda e sem folga no feriado.
Sim, meu senhor, porque essa é a minha realidade. E de uma penca de mãe que está por aí e que, por sinal, ainda deve ter uma vida mais complicada que a minha. Porque eu estou aqui para renovar a minha habilitação, mas sei de milhares, milhares não, milhões de mães que além de se virarem nos 30 cuidando dos filhos ainda fazem isso andando de busão. Vida dura essa! Já passei por isso, sei bem como é, só que na época não tinha filhos.
O senhor deveria colocar a mão na consciência, arrancar aí dessa sua memória que já não deve estar mais muito boa, mas enfim… pelo menos existe, a lembrança da sua querida mãezinha (nessa hora, eu já estava era querendo xingar a mãe do homem), aquela que, com certeza, trabalhou feito bicho para o senhor se formado médico e hoje estar aí, me olhando de cima pra baixo, com esse ar de altivez, e dizendo que eu não trabalho.
Quer ver o quanto eu trabalho? Vou contar uma historinha para o senhor…
O meu dia não começa cedo. Isso porque o anterior nunca acabou. A impressão que tenho é de que, desde que o meu pequeno nasceu, eu vivo um ciclo que não tem mais dia, noite, madrugada, almoço, jantar,… é uma coisa única, toda junta, embolada. Quer dizer, agora ele tem 10 meses e já melhorou um pouco, mas lá nos primórdios, nos famosos três primeiros meses, era bem assim que acontecia.
Mas enfim, vamos dizer que o meu dia começou. Exatamente quando o meu bebezuco acordou. Claro que cedíssimo, seis e meia da matina. E claro que ele acorda varado de fome. Ou seja, salto da cama feito um foguete recém lançado pela Nasa, sem colocar os chinelos (quanto mais escovar os dentes), e corro para seu quarto para dar a mamadeira. Assim que chego, aquele pranto desesperado cessa (pelo menos isso!). Passamos ali alguns minutos de paz. Ele mamando, eu dando umas pescadas (daquelas que a cabeça vai caindo e a baba escorrendo) e tudo correndo bem.
Só que, quando estou entrando no embalo do sono, percebo que paz da mamadeira acabou. Ele já está se contorcendo, tentando pular do meu colo, arrancando o botão do meu pijama e puxando alguma coisa super perigosa que sempre está por perto. Me desvencilho desse projetinho de Taz (aquele demoninho da Tasmânia dos desenhos de TV) e arrisco colocá-lo de volta no berço, para brincar um pouco, enquanto lavo a cara, faço minhas necessidades básicas e tomo um café. Ops, café não que não tenho empregada para prepará-lo e, mesmo se tivesse, a essa hora ela ainda não teria chegado. Tomar um leite frio mesmo. Tá ótimo!
Mas é óbvio, Ó B V I O, que ele não topa ficar lá sozinho, abandonado, solto naquele lugar gelado, úmido, assustador. Sim, porque ele só pode pensar isso do berço tamanho e escândalo que dá quando o coloco lá.
Nesse exato momento, pego o pequeno, corro para a sala, coloco-o no chão, ligo a Galinha Pintadinha (Deus proteja eternamente seus criadores!) e rezo para os créditos passarem rápido e as galinhas aparecerem de uma vez, lépidas e saltitantes. Quando ele engrena na cantoria das penosas, fujo para o banheiro e lá me refugio por uns bons e longos três minutos. Isso mesmo! Só três minutos de relax no banheiro da minha casa, porque nos 30min que dura o tal do DVD da Galinha eu tenho que lavar as mamaderias que ele tomou na madrugada, preparar o meu café da manhã e do marido, decidir e separar o que será feito para o almoço, iniciar os preparativos para a produção das papinhas e mais uma lista de coisas infinitas que brotam não sei de onde todo santo dia.
Ufa! Cumpri tudo que precisava nessa meia hora de tranquilidade (Oi? Tranquilidade? Para quem?). Quando o DVD termina, corro para brincar com o pequeno, porque claro, uma boa mãe faz a sua parte: brinca, conversa, canta, passeia, mostra livros e conta histórias. E também tira da boca o chinelo sujo, da mão o controle remoto babado e da cabeça o resto do macarrão da noite anterior. Tudo realizado com maestria e rapidez ímpar nos míseros 15 segundos que levei para abrir a cortina e deixar entrar um pouco de sol na sala.
Bom, brinquei, brinquei, brinquei, implorei para ele ficar quietinho enquanto eu ia resolver alguma coisa na cozinha, no mínimo umas 10 vezes, sem sucesso é claro, e aí chega a hora do lanche e da soneca.
Lá vou eu cortar e espremer laranjas enquanto tiro todo o conteúdo do armário da cozinha para o pequeno se entreter no chão e não chorar, gritar, espernear, arranhar os azulejos e sei eu o que mais fazer (lembrando que depois tenho que colocar tudo de volta dentro do armário). Terminado isso, dou a mamadeira de suco, troco a fralda e… ufa… hora de dormir. Ufa!!!!???? Que nada! Começa o momento treinamento de ginástica olímpica modalidade solo preparação para as Olimpíadas de 2016. Sim, porque é só eu colocar a figura no berço que ele rola, senta, faz espacato, gira, se pendura, se atira, e repete isso dezenas e dezenas de vezes, incessantemente, por mais o menos uns 40 minutos, até que cai,  morto de cansado. No meio da apresentação eu o pego no colo, no mínimo umas três vezes para ver se ele dorme mais rápido, mas não tem jeito de surtir efeito. Essas tentativas só pioram as coisas, porque aí sim que ele quer festa, chamego, brincadeira, conversa, dancinha, e por aí vai.
Mas então ele dorme. Olhando desse jeito, todo aconchegadinho, encostando o narizinho na sua fraldinha pegajosa e nojenta que não dá para lavar se não ele estranha o cheiro (catinga, vamos ser sinceras), parece até inofensivo. Ali ele fica por, vamos dizer, mais ou menos meia hora. Porque é claro que desgraça pouca é bobagem e o vizinho de cima resolveu fazer uma reforma que está durando tanto quanto a vida do Niemeyer! A furadeira entra em cena, a marreta também, e é pá pum para o pequeno acordar. Gritando, claro! Porque ele queria ter dormido muito, mas muito mais, e nao deixaram.
E o jeito qual é? Tirá-lo do berço e carregá-lo de um lado para o outro dentro da casa enquanto resolvo tudo que preciso resolver. Vou para o quarto guardar a roupa? Levo junto, coloco no chão, dou um brinquedo, dou outro, arranco da mão, arranco da boca, imploro para ele nao puxar a colcha e nem lamber o sapato e assim segue, até o outro cômodo, onde, com certeza, levarei três vezes mais tempo para resolver qualquer coisa do que levaria se a figurinha não estivesse por perto.
Nesse momento, tenho a impressão de que já são umas 17h, que já está passando Malhação na Globo (isso ainda existe?) e que só eu sigo tropeçando nas próprias pernas. Que nada, são só 11h da manhã e ainda tenho que descobrir uma forma de entreter a ferinha até o meio dia, depois fazer malabarismo, promessa e macumba para ele comer a papinha, encontrar uma nova forma criativa de fazê-lo não chorar na troca de fraldas e, por fim, vesti-lo para ir para a escolinha.
Ah! A escolinha! Na parte da tarde eu estarei livre, porque ele estará lá. Ahahahahaah! Que piada! Livre? Mãe nunca mais é/será livre. Carta de alforria não existe. Depois que deixo o pequeno na escola, tenho cinco, cinco míseras horas para encontrar a cura da AIDS, descobrir onde foi enterrado o corpo de Elisa Samúdio e multiplicar de cabeça 3.567 por 4.954. Bom, pelo menos é assim que me sinto tamanha a carga de tarefas a cumprir.  Nesse pequeno espaço de 300 minutos eu preciso: almoçar (porque ainda estou só com aquele copo de leite, sim aquele lá do início, na barriga), dar um tapa na casa, ir ao mercado, retornar todas as ligações não atendidas, preparar a papinha do dia seguinte, pagar as contas atrasadas, brigar com o vizinho por conta da reforma, resolver as dezenas de coisas que o maridão deixou sob minha responsabilidade (afinal, eu tenho a tarde “livre”) e por aí vai.
Bom, nem preciso entrar no detalhamento da noite. Esse fica para uma próxima conversa. Só com esse relato, meu estimado senhor, acho que já dá para a vossa senhoria perceber que ser mãe não significa não trabalhar, mas trabalhar em tempo integral, numa correria danada, suando sangue e, ainda por cima, ser vista como folgada.
Agora, se senhor me der licença, eu preciso ir. Pois eu tenho muito, mas muito mais o que fazer!
 

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